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Os Balcãs: isto não é uma crise de Inverno

Publicado a
9/9/2021

Estamos habituados a ouvir falar das Rotas dos Balcãs no inverno, quando as condições meteorológicas tornam quase impossível que as pessoas que procuram refúgio cheguem à UE. Mas, na verdade, quando o tempo começa a aquecer, as pessoas migrantes e refugiadas enfrentam dificuldades diferentes. Para além disso, à medida que os pushbacks se tornam cada vez mais comuns e as regras da UE relativamente à passagem de fronteiras cada vez mais rigorosas, o negócio dos traficantes cresce e as pessoas migrantes tornam-se mais vulneráveis e expostas ao tráfico, extorsão ou rapto, bem como a uma viagem cada vez mais insegura.

— O Relatório “Spot Prices”, divulgado em maio de 2021, revela que o negócio de tráfico de migrantes através dos países dos Balcãs Ocidentais vale cerca de 50 milhões de euros por ano.

— Existem três fronteiras entre os países Balcãs que são fundamentais para o negócio de transporte de migrantes: a fronteira entre a Grécia e a Macedónia do Norte; a fronteira entre a Bósnia e Herzegovina e a Croácia (UE); a fronteira entre a Sérvia e a Hungria (UE) ou a Roménia (UE).

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— As regras na UE estão cada vez mais apertadas. Em julho de 2021, a Itália e a Eslovénia chegaram a um acordo para continuar a patrulhar as suas fronteiras, esperando diminuir a entrada de migrantes. Nos Balcãs, à medida que os governos fecham as rotas tradicionais, abrem-se outras — mais perigosas e fatais. Mediadores, porteiros e contrabandistas — os três tipos de traficantes de migrantes que se encontram nos Balcãs — são conhecidos por estarem gratos aos governos da UE por lhes “encherem os bolsos”, porque, à medida que as regras da UE se tornam mais duras, o negócio dos traficantes aumenta.

— Para muitos migrantes (e traficantes), a rota na Europa começa em Salónica, na Grécia. Procuram um motorista que os leva perto da fronteira com a Macedónia do Norte e depois atravessam a fronteira a pé através da floresta. Em seguida, do outro lado, são levados para Escópia, onde apanham um táxi para entrar na Sérvia. Por outro lado, aqueles que escolhem a rota albanesa, tentam viajar para a Sérvia através do Kosovo — utilizando o mesmo “método táxi” para atravessar a fronteira –, ou viajam diretamente para Itália de barco.

— A Sérvia é uma paragem importante porque, a partir daí, os migrantes podem escolher entre 4 países vizinhos da UE: Croácia, Roménia, Bulgária e Hungria. Há ainda outra rota entre as Rotas dos Balcãs — os Balcãs do Sul. É um percurso muito mais “molhado” e perigoso, visto que há vários rios ao longo do caminho. O destino é a União Europeia, através da Croácia.

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— Entrar em países como a Hungria e a Croácia tornou-se cada vez mais difícil devido aos pushbacks da polícia nas fronteiras. A polícia sérvia encontrou túneis, escavados por migrantes e traficantes, que atravessam a fronteira entre a Sérvia e a Hungria. Estes túneis têm entre 3 e 7 metros de profundidade e entre 15 e 30 metros de comprimento. Atravessar estes túneis pode custar entre 500€ e 5000€, dependendo da segurança de cada um.

— Em junho de 2021, mais de 6000 migrantes ficaram presos na Bósnia, à espera de entrar na UE através da Croácia. Ao tentarem fazê-lo, estão cientes de que provavelmente serão forçados a regressar à Bósnia ou à Sérvia pela polícia de fronteiras. Quando capturados, são espancados, levados de volta para a fronteira e forçados a atravessá-la de volta, até estarem “suficientemente longe do solo europeu”. Apesar da existência de provas dessas agressões em vídeo, mostrando mulheres, homens, crianças e até mesmo uma mulher grávida, o Ministro do Interior da Croácia negou estes eventos, argumentando que as pessoas em questão eram “apenas homens sem família, que não tinham necessidade especial de proteção”, e que as imagens não tinham sido filmadas na Croácia.

— Depois de serem “devolvidos”, permanecem perto da fronteira e planeiam a sua tentativa seguinte “no jogo” (“the game” — expressão utilizada pelos migrantes nesta situação para se referirem às tentativas de travessia). E tentam novamente, através de uma rota diferente e, provavelmente, mais perigosa. Enquanto aguardam e preparam a próxima tentativa, vivem em casas abandonadas, centros de acolhimento, campos de refugiados ou acampamentos ilegais criados por si mesmos perto da fronteira. A Covid-19 tornou as coisas mais difíceis para todos — o número de infeções aumentou nestas áreas, afetando especialmente as pessoas migrantes e requerentes de asilo.

— A proteção da fronteira externa da Croácia com a Bósnia foi financiada pela UE através do fornecimento de mais de 160 milhões de euros, bem como de dezenas de carrinhas — um investimento avaliado em 1.8 milhões de euros.

— Na primavera, quando o frio desaparece, as pessoas migrantes preparam-se para voltar ao “jogo” mais seriamente, uma vez que têm que atravessar vários rios e isso só pode ser feito quando as temperaturas sobem. Mas, durante esta época do ano, o tempo ainda é muito imprevisível e chuvas fortes podem aparecer a qualquer momento.

— Cruzar pontes pelo caminho é um grande risco, pois são patrulhadas pela polícia e guardas. Em vez disso, e mesmo que muitas destas pessoas não saibam nadar ou tenham muito pouca experiência, a opção é nadar através dos cursos de água ao longo da rota, usando pacotes vazios de leite, garrafas de água ou barcos insufláveis de borracha comprados numa loja local perto da fronteira. Uma série de entrevistas realizadas pela Al Jazeera no campo de refugiados Miral para homens solteiros, em Velika Kladuša, concluiu que quase todos conheciam pelo menos uma pessoa que se afogou ou quase se afogou nos cursos de água dos Balcãs.

— Estamos constantemente a ouvir falar dos afogamentos no Mediterrâneo e no Mar Egeu — estas áreas são pontos focais para jornalistas, governos e ONGs por toda a Europa. Mas é muito raro ouvir falar de mortes por afogamento nos rios dos Balcãs — isso não significa que eles não existem, mas sim que não há um repositório centralizado de informações e bases de dados sobre o assunto, o que torna mais difícil a responsabilização das autoridades nacionais.

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[Fotografias de Alessio Mamo, Dado Ruvic, Elisa Oddone, Fehim Demir, Zoltan Balogh]

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