Passava-se o verão de 2017 e estava num barco a caminho de Lesbos. A última ilha da Grécia. A primeira para tantos que tentam diariamente a sobrevivência e a luta por uma vida de paz.
Já há algum tempo que vinha a planear este momento. Um tempo ao serviço de uma ONG grega que atua no mediterrâneo como busca e salvamento e que acompanha diariamente os campos de refugiados de Kara Tepe e Moria. Um tempo ao serviço de tantos, por quem sempre senti o meu maior respeito, que se veem forçados a abandonar as suas casas.
Os dias em Kara Tepe eram ocupados com brincadeiras e jogos, protegidos do sol que queimava em pleno mês de Agosto. Mas os finais de tarde eram diferentes. Juntávamo-nos em equipas para jogarmos futebol num campo meio improvisado junto ao “contentor” onde funcionava a ONG.
Os rapazes no campo chamavam-me Cristiano Ronaldo, não pelas minhas habilidades em jogar futebol, que, acreditem, não são muitas, mas por ser português e passar as tardes a jogar futebol com eles. Curioso o poder deste desporto universal que, independentemente de barreiras linguísticas ou culturais tem a capacidade de unir pessoas com diferentes nacionalidades e credos, para além de ser uma oportunidade e um incentivo para partilhar histórias e trocar “dois dedos de conversa”.
Nos últimos dias no campo, aquando de uma viagem de regresso desde Kara Tepe até à casa onde estavam alojados os voluntários da organização, em conversa com dois voluntários espanhóis, interrogávamos-nos sobre qual o nosso contributo para aquela situação com que nos deparávamos e que nos “esmagava” o espírito diariamente
É que, à medida que o tempo passa e a experiência se adensa, é inevitável não sentirmos um “nó na garganta”, motivado pelo sentimento de impotência perante a situação que se vive em Lesbos, onde o número de pessoas que chega diariamente é consideravelmente superior ao número de pessoas que parte e a espera continua a ser, para milhares, a única certeza que possuem.
Em boa verdade, já sabia que, ao vir para Lesbos, ia passar por esse sentimento de impotência, questionar tantas vezes qual a minha função ali, qual o meu papel no meio de uma crise humanitária de tal ordem.
Esse voluntário com que conversava dizia-me que a nossa missão era, essencialmente, “levar humanidade”, promover e cuidar da dignidade dos que estavam no que campo ou, no fundo, “cuidar da espera”, como realça a mensagem da organização portuguesa presente em Lesbos, a Plataforma de Apoio aos Refugiados.
Deixámo-nos ficar em silêncio, meditando naquelas palavras. É uma perspetiva pertinente, já que poucas ou nenhumas serão as respostas e as soluções que enquanto voluntário lhes possamos levar, mas acredito que temos o poder de promover uma maior dignidade e levar um pouco de humanidade e de esperança a quem precisa, mais do que nunca, de acreditar que é possível mudar a situação em que se encontra.
Talvez o poder das pequenas coisas seja mesmo isso. Estarmos presentes. Com tudo aquilo que somos. Uma presença que humaniza e nos torna mais comuns, mais semelhantes, menos frágeis. Talvez necessitemos mais de estar, de levarmos humanidade, de sermos olhar para o outro.
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Artigo escrito pelo Afonso Borga, no âmbito do evento MEERU Convida Amigos - O Poder das Pequenas Coisas.