À medida que perde território no Médio Oriente, o DAESH tem-se gradualmente deslocado para África, espalhando-se pela Nigéria, Somália, Níger, Tunísia, Burkina Faso e Camarões e nos últimos tempos, Moçambique.
— Os primeiros ataques em Moçambique foram a 5 de outubro de 2017, em Mocímboa da Praia, na Província de Cabo Delgado.
— Desde aí, em dois anos e meio, o grupo armado já realizou mais de 300 ataques, matou mais de 700 pessoas e já fez mais de 200 mil deslocados internos, que se veem obrigados a abandonar as suas terras em busca de locais seguros.
— Nas últimas semanas os ataques jihadistas multiplicaram-se. No dia 23 de março de 2020, um ataque reivindicado pelo Daesh teve lugar em Mocímboa da Praia, em 5 quartéis policiais e militares na cidade. Dezenas de soldados e policiais foram mortos ou feridos, várias infra-estruturas foram destruídas e a sua bandeira foi içada num quartel. O ataque levou à fuga generalizada da população para locais seguros, como a Ilha do Ibo e Pemba, capital provincial.
— A 6 de abril de 2020, invadiram Quissanga onde incendiaram uma igreja católica, sem causar mortos. Em vídeos partilhados online, veem-se os atacantes a dizer que só vão atacar o Estado. Dizem que o seu desejo é implantar um estado islâmico, quer a população queira, quer não, porque é isso que está certo. No dia seguinte assaltaram um armazém associado ao Programa Mundial para Alimentação (PAM) das Nações Unidas tendo saqueado 116.6 toneladas de cereais, leguminosas e óleo vegetal.
— O grupo autodenomina-se Ahlu Sunnah Wa-Jammá (adeptos da tradição profética e da congregação) mas a população local chama-lhes “al-Shabab” (‘juventude’), por ser a faixa etária dominante do grupo. Pensa-se que tenham surgido de uma cisão ocorrida há mais de 2 décadas dentro do Conselho Islâmico de Moçambique, para a criação de um grupo mais ortodoxo e defensor da aplicação da sharia. Dentro deste grupo uma nova cisão deu origem a uma seita extremista que começou a construir mesquitas em vários locais, incluindo Mocímboa da Praia.
— A Província de Cabo Delgado tem os ingredientes necessários à proliferação do radicalismo e a um fácil recrutamento entre os mais jovens:
• O Islão tem uma presença muito antiga em Moçambique, ainda prévia ao colonialismo português e que ao longo do tempo se sentiu reprimida e marginalizada.
• Tem a maior taxa de iliteracia do país (há cidades em que atinge os 90%), uma alta taxa de desemprego (cerca de 64,8%), principalmente jovem, e uma forte presença de crime organizado e corrupção. Tudo isto é agravado por vários conflitos étnicos.
• Existem relatos de violações de direitos humanos por parte de empresas, incluindo suspeitas de expropriação ilegal de terras. A descoberta de algumas das maiores reservas de gás natural da região trouxe alguma esperança de riqueza. Mas, a chegada de empresas internacionais não reduziu a taxa de desemprego e aumentou a desconfiança política.
• A presença do Estado nesta região é insuficiente. Mais de 80% do território são florestas fechadas, complicando o seu acesso. As populações vivem autorreguladas, facilitando a capacidade de ataque dos grupos.
• A desconfiança da população perante as Forças de Defesa e Segurança é elevada. E agrava-se perante o silêncio do Governo sobre as constantes violações de direitos humanos que membros dessas forças cometem.
— Ao longo do tempo, os ataques do Daesh tornaram-se mais ousados e menos violentos. Atacam capitais de distrito, destroem edifícios públicos, agências bancárias, sedes da polícia, matam agentes. Poupam tanto quanto podem a população em geral, sendo cada vez menos comum as decapitações.
— Desde 2017, o movimento cresceu e ganhou apoio junto da população. Os números apontam para cerca de 3000 militantes que querem impor uma versão ultraconservadora da sharia, lutando contra as comunidades locais e contra o Governo que, dizem, não respeitam os verdadeiros ensinamentos do profeta Maomé.
— O Raul Manarte esteve em Moçambique e partilha connosco um pequeno testemunho: “Estive na província de Cabo Delgado com uma ONG médica a prestar cuidados de saúde física e mental às vitimas de terrorismo. Já há 2 anos que o norte de Moçambique é alvo de ataques terroristas. Durante a nossa intervenção a vila onde estávamos foi atacada, durante a madrugada, e acabou por ser completamente conquistada pelo grupo armado que atacou estruturas governamentais (sede do município, esquadra, tribunal, etc) assassinando dezenas de pessoas. Dirigiam-se às mesquitas informando a população que não estavam “ali para eles” mas apenas para atacar o governo e os militares que abusam da população há anos. A nossa casa estremecia com explosões, os tiros eram constantes… Ouvia-se “allahu akbar” nas ruas ao lado e a noite foi longa… Depois de 26 horas aterrorizantes conseguimos a evacuação.”
📸: As fotografias são do Raul Manarte, em Moçambique.
🌐 Fontes: